sábado, 12 de março de 2011

BELEZAS INUSITADAS - 2011

Gentes.

Saiu a nova edição da Revista Beleza Bahia, para a qual eu tenho o prazer de escrever duas colunas. Uma das colunas é Futebol  e o texto está agora disponível em http://www.futeboldeartista.blogspot.com/.

O texto abaixo é da coluna Belezas Inusitadas. Quem se interessar em conhecer a revista, pode acessar o link: http://www.belezabahia.com.br/site_antigo/web/revista/index.html. Ainda não tem a edição nova (com Cláudia Leite na capa) mas em breve, com certeza estará. Você pode conferir as outras edições. Chega de blablabla. Vamos ao texto:

 

ESTRADAS CHEIAS DE GENTE – CORAÇÕES REPLETOS DE ESPERANÇA

 E eis que chega o tão esperado 2011. E começo de ano é sempre uma boa oportunidade de iniciarmos novos ciclos, revermos algumas posições, fazermos aquelas análises de nossas vidas e planos para o futuro. No final do ano passado, nossas ruas se encheram de consumidores que precisavam ir às compras por uma série de motivos: roupas novas, lembrancinhas para as incontáveis confraternizações com os infalíveis amigos ‘secretos’ e ‘sacanas’. Muitos foram às lojas de material de construção e lojas de decoração para dar aquele trato na casa, para receber parentes e amigos durante o Natal ou mesmo durante as férias. No verão, quem mora em Salvador quase que inevitavelmente recebe turistas de toda parte do país, se não de fora. Parentes e amigos fazem de nossa casa, uma verdadeira pensão até o fim do Carnaval. E por mais que a gente reclame, isso nos enche de alegria e ainda que todo ano a gente jure que não vai mais receber ninguém em casa, olha nós aqui fazendo tudo de novo.
E já que fomos às ruas, por que não estendermos nossa saidinha?
Os caminhos que nos levam e trazem – rodovias, mares e céus – enchem-se de pessoas interessadas em encontrar novos e velhos lugares, rever amigos, parentes ou mesmo conhecer novos destinos. A Bahia e outros estados do nosso querido Nordeste realizam este êxodo temporário duas vezes no ano: nas festas juninas e nas decembrinas, se me permitem o termo estranho.
Mas a nossa coluna trata de belezas inusitadas e o que pode haver de belo em estradas cheias, viagens alongadas, embarcações super-lotadas, aeroportos entupidos de vítimas de atrasos e cancelamentos? O que pode haver de belo numa tarde de sol a um palmo de nossas cabeças, em ruas cheias e barulhentas, musiquinhas de pisca-pisca, ambulantes gritando suas promoções?
Nem desconfiam?
Pois para mim, otimista incorrigível, tudo isso traz uma beleza inquestionável: estamos todos juntos. Fazemos coisas muito parecidas, porque somos uma mesma raça, uma raça-humana que compartilha dos mesmos rituais, das mesmas esperanças, dos mesmos costumes. Quando estamos assim, exageradamente unidos, sentimos uma espécie de agonia, de cansaço, mas talvez sem nos darmos conta, nos alimentamos de uma coletividade, de um senso de irmandade do qual sentimos muita falta quando estamos sozinhos. Quem mora numa terra estranha à sua, sabe a falta que faz a prática de costumes locais e a partilha de comportamentos, hábitos, horários. É quando nos acomete o Banzo, a doença da tristeza, da saudade e da solidão.
Os shoppings e as avenidas lotados nos dizem que somos irmãos. Ainda que não cumprimentemos uma só pessoa, sentimos em algum momento que não estamos sós e que estas datas de final e começo de ano, nos unem e nos fortalecem. Ainda que os costumes capitalistas incomodem alguns nessa época do ano, não podemos negar que estes costumes estão repletos de nós, de nossos hábitos e necessidades. O mercado aproveita-se dessa nossa mania de gostar do outro (porque o outro também sou eu), e lucra com a troca de presentes, mas não é ele quem nos guia. Penso que trocar presentes diz mais de nossa capacidade de agradar ao outro do que da nossa vontade de gastar dinheiro. Posso estar errada, mas gosto de pensar que somos maiores do que o monstro do capitalismo – que inclusive foi criado por nós!
E as estradas? Lotadas de carros de passeio e ônibus para todas as classes sociais, elas nos levam aos mais diversos lugares, estejam eles no nosso passado, presente ou futuro. A saída de Salvador, se noite, é cortada por duas serpentes que andam paralelas: uma amarelada e outra vermelha. São os faróis daqueles que vêm, mirando os faróis daqueles que vão. E que bela imagem se tem de um irritante engarrafamento.
Boa parte das estradas da Bahia, geralmente repletas de vazio e seca, enche-se do colorido dos carros e do burburinho de seus ocupantes. Os moradores de beira da estrada vendem suas obras de arte, seus utensílios de barro e palha, suas comidinhas e petiscos típicos do lugar, água, cervejinha e refrigerante. E de repente, a sensação que temos é que estamos em plena Idade Média.
O vai e vem do Ferry-Boat lotados de gente, ventiladores, colchões, gatos e cachorros, mistura gente pobre e gente rica que precisa usar este transporte democrático. Tem para os mais ricos, que vão de hora marcada, que embarcam em seus carrões, mas que recebem na cabeça o mesmo sol escaldante que acomete o suburbano portador de uma mala surrada e caixa isopor descascado. E o pagodão come solto. Como um monstro marinho que coloca seus braços sobre o continente, o Ferry-Boat avança sobre São Joaquim e Bom Despacho com suas filas intermináveis. A gente sofre, xinga, reclama, com toda razão do mundo. É preciso mais seriedade e dignidade nesta travessia. Mas, a gente não desiste nunca. A gente sabe que do outro lado – seja ele o de lá ou o de cá – tem um momento de paz e descanso esperando por nós.
E neste vai e vem por terra, céu e mar, a gente vai buscando novas energias para recomeçarmos a jornada. A virada de ano é um momento de re-organizarmos nosso tempo, de garantirmos a nós mesmos uma experiência de renovação, avaliações e mudanças. O sol continua fazendo sempre o mesmo caminho, mas nós, simbolicamente, organizamos suas voltas naquilo que chamamos de tempo, para que possamos viver rituais que nos reconduzam a um equilíbrio indispensável para continuarmos lutando. Quando voltarmos para nosso dia-a-dia – lá pra março – estaremos silenciosamente felizes, refeitos, certos de que teremos sempre ao nosso lado amigos, parentes e esses desconhecidos todos que nos conferem diariamente nossa própria identidade, além dessa certeza estranha de que juntos, e somente juntos, somos humanos, demasiadamente humanos.

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